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Channel: Pensata, por Rodrigo de Almeida
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Retrato da radicalização: um governo que ignora quem não o elegeu e manifestantes que aumentam a realidade

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Aqueles que mais têm vociferado nas ruas e varandas do Brasil, a parcela raivosa dos presentes às manifestações do dia 15 de março e os que prometem voltar aos coros e cartazes agressivos em 12 de abril cometem um equívoco capaz de deixar graves sequelas ao Brasil: confundem, de maneira proposital, ardilosa ou ingênua, o que poderia ser apenas uma soma de problemas de feições econômicas e políticas com uma crise institucional seriíssima, cuja solução – alguns acreditam – passa pela remoção da inquilina do Palácio do Planalto.

Maus presságios.

Que o País enfrenta problemas econômicos ninguém duvida – nem a presidenta Dilma Rousseff. Poucos ousarão questionar também a crescente impaciência com as veias abertas da corrupção pública e privada. O manto da honestidade intelectual, do rigor e da gerente cumpridora de seus deveres, com o qual Dilma elegeu-se duas vezes, foi parcialmente rasgado pelas verdades seletivas da campanha eleitoral e esgarçou-se mais com o cerco à Petrobras e ao pré-sal, a grita do racionamento, o rebaixamento do País pelas agências de classificação de risco e o oportunista tema do impedimento.

Se a crise pôs em xeque suas virtudes, não há razão objetiva que impeça a presidenta de superar os problemas de seu governo – apesar do berreiro acusatório de um alto tucano como Alberto Goldman, para quem “Dilma Rousseff e seu partido não têm condições políticas e morais para conduzir o País por mais muito tempo”. Ou a referência, por Fernando Henrique Cardoso, a um governo “que não deve ser salvo”.

Nem pau, nem pedra, nem o fim do caminho: há problemas econômicos diante dos riscos inflacionários, do aumento do desemprego e de um ajuste fiscal que, na prática, só ajudará a turvar ainda mais o caminho de empresas e trabalhadores; há uma grave crise política, sobretudo na difícil relação com o Congresso e na ausência de uma solução fácil à vista diante de achacadores e chantagistas, para usar a expressão do ex-ministro Cid Gomes. Mas…

Agressividade verbal na manifestação contra o governo Dilma e a corrupção na avenida Paulista, em 15 de março. Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas

Manifestação contra o governo Dilma e a corrupção na avenida Paulista: onde aquilo que é grave vira crise insolúvel. Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas

Inércia na agenda

Mas, no plano objetivo, o que tem faltado ao governo é relativamente simples no diagnóstico e complexo na solução: capacidade de agenda. Cientistas políticos costumam usar a expressão para definir o grau que um agente público tem de mobilizar poderes, implementar seus programas, conduzir sua agenda de políticas, moldar o País à sua rota, tanto no debate político quanto na batalha da comunicação – com os diversos níveis da sociedade, incluindo mídia, sindicatos, empresários e mercados.

Não está escrito nas estrelas que, embora tenha perdido essa capacidade de agenda  especialmente a partir da abertura das urnas, no ano passado, Dilma não conseguirá retomá-la.

Primeiro porque há pelo menos um notável exemplo histórico de quem saiu de um estágio muito mais sombrio do que hoje Dilma enfrenta para tornar-se um dos únicos civis de seu tempo a concluir o mandato. Segundo porque a radicalização do discurso da crise tendeu até aqui a amplificar a gravidade da realidade. Em outras palavras: o discurso anti- (Dilma, PT e governo) deu ares de gravíssimo e insolúvel ao que não chega a tanto.

O exemplo vem de Juscelino Kubitschek, o presidente que saiu da primeira à última parte da Divina Comédia sem nem sequer precisar passar pelos nove círculos do Inferno. Se JK leu Dante é outra história, mas no seu primeiro ano de governo enfrentou tentativa de golpe, revolta estudantil contra o aumento de passagens, CPI na Petrobras, revolta de produtores agrícolas tisnados pela queda de preços no mercado internacional e sindicatos inquietos com a escalada inflacionária.

Mais: dos quatro presidentes eleitos entre as duas ditaduras do século passado, JK fora aquele que chegou ao poder com o menor número de votos (35,6%). Vencera em 15 estados, perdera em nove. Ao chegar ao governo, propôs anistia aos militares que o ameaçaram com golpe e abriu o Palácio do Catete para estudantes rebelados, udenistas, cafeicultores e sindicalistas.

Repita-se: tornou-se um dos poucos civis daquele período de nossa história a concluir o mandato e passar a faixa ao sucessor.

No reino da objetividade, ganha o subjetivo

Sobre o segundo ponto capaz de justificar aqui prognósticos menos sombrios para Dilma, o economista Marcio Pochmann fez uma análise pedagógica do descompasso entre o mundo objetivo da realidade e a subjetividade do inconformismo das manifestações. Recorreu a um recurso costumeiro de petistas para argumentar em favor das eras Lula e Dilma. Comparou dois períodos distintos: 1995-2002 e 2003-2013.

No primeiro, descreve Pochmann, poucos segmentos sociais melhoraram, enquanto a maior parte perdeu. A estabilidade no poder aquisitivo dos rendimentos ocorreu somente entre 1995 e 1997, para depois seguir em queda até 2003. Simultaneamente o desemprego aumentou continuamente até 1999, para depois estabilizar até 2003.

O segundo período registrou melhora em praticamente todos os segmentos sociais. Redução do desemprego e elevação do poder aquisitivo no rendimento médio dos ocupados confirmou a melhora generalizada das condições de vida do conjunto da população (gráfico abaixo), ressalta o economista.

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Como mostra o gráfico abaixo, os ricos, os intermediários e os mais pobres ganharam. Todos. Uns mais, outros menos, como conviria a uma política destinada a reduzir os padrões de desigualdade.

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O erro do governo e seus apoiadores

Se os radicais livres das ruas erram, como a coluna sublinhou no início, erra também o governo ao ter passado boa parte do tempo deitado em berço esplêndido sobre números como esses de Marcio Pochmann. Até porque não só a política é como nuvem. A economia também se move rapidamente e, ao menor sinal de mudança, já está inteiramente diferente. Mais grave: move-se por meio de projeção de expectativas. Inflação, tarifaços e desemprego – ainda que em dois graus abaixo do discurso pessimista estampado na mídia – tornaram-se problemas reais para o brasileiro, não imaginários.

Erra o governo e erram sobretudo integrantes do PT e parte de seus apoiadores na blogosfera, que apostam na ideia-força segundo a qual foram parar nas ruas apenas as viúvas da elite branca eleitora do PSDB e a classe média remediada, repletas de ódio e intolerância com a ascensão dos mais pobres, com as cotas e com a possibilidade de 16 anos de governo petista.

Pode ter tudo isso também, mas um governante se acomodar a essa ideia tem a mesma eficácia que pedir ao Congresso a aprovação rápida de uma ampla reforma política.  Não foi à toa que, no início de fevereiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu a Dilma se abrir para os que não a elegeram, separando-lhe o que era ganho eleitoral, obtido meses antes, de hegemonia política, sem a qual é inviável fazer um bom governo.

“Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos”

Também não à toa o afiado texto produzido para a presidenta pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência, vazado na semana passada, cita d. Pedro Miguel de Almeida, o marquês de Alorna, como o autor do conselho dado ao rei de Portugal, d. José I, sobre o que fazer depois do terremoto de Lisboa, em 1755: “Sepultar os vivos, cuidar dos vivos e fechar os portos”.

Está na conclusão do texto vazado:

“Sepultar os mortos significa que não adianta ficar reclamando  e discutindo como teria sido se o terremoto não tivesse ocorrido. Cuidar dos vivos, é que depois de enterrar o passado, temos que cuidar do que sobrou , dar foco ao presente. Fechar os portos, evitar o pânico entre os nossos, impedir o salve-se quem puder, a fuga em massa. Significa que não podemos deixar que ocorra um novo tremor enquanto estamos cuidando dos vivos e salvando o que restou”.

Segundo o Instituto Datafolha, 70% dos 210 mil presentes à manifestação na Avenida Paulista em 15 março pertenciam a estratos de renda elevados para os padrões brasileiros. Isso daria esperança aos conselheiros de Dilma que acreditam tratar-se de uma ação restrita à elite branca de direita. No dia seguinte, descobriu-se uma razão para a chama dessa esperança esvanecer: a desaprovação do governo na metade de baixo da pirâmide de renda praticamente não se distingue da mais alta.

Como afirmou no fim de semana o jornalista Elio Gaspari: pode-se menosprezar as multidões, assim como se pode acreditar que as avenidas Atlântica e Nossa Senhora de Copacabana são transversais. Difícil, depois, será achar o rumo de casa.

Dilma não percebeu o vazio que se abria a seus pés durante o primeiro mandato, na avaliação do cientista político André Singer. Afrontou interesses de porte – partidos da base maculados pela faxina presidencial, grande capital financeiro nacional e internacional incomodados com o controle das taxas de juros e lucro, empresas do setor energético prejudicadas com a reforma promovida por Dilma e pela redução dos preços da energia, etc.

Fez tudo isso, mas não reuniu tropa suficiente para apoiá-la quando viesse o troco. Fiou-se em voláteis índices de popularidade. (Singer não disse em sua análise, mas o vazio sob os pés de Dilma escancarou-se não entre partidos aliados, empresários, movimentos sociais e sindicatos mas dentro do próprio PT. Verdade seja dita: muitos petistas foram seus maiores inimigos na campanha eleitoral.)

O troco viria, cedo ou tarde.

Direita ou esquerda nas ruas ou fora delas, pouco importa agora. Luis Nassif acertou na precisão: a direita quer o fígado de Dilma; a esquerda está a um passo de afastar-se.

 

 


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